sexta-feira, 19 de março de 2010

ROUSLAN BOTIEV E A EXPOSIÇÃO O HOMEM, COSMOS E MITOS, por Vítor Serrão


ROUSLAN BOTIEV E A EXPOSIÇÃO O HOMEM, COSMOS E MITOS.

Como se lê num texto promocional a propósito da obra do pintor Rousland Botiev, «no intervalo do Mundo e do Tempo, o Homem precisa de Mitos para construir uma gramática do Mundo». A série de doze desenhos a tinta da China sob o título O Homem, Cosmos e Mitos, exposta na Biblioteca da Faculdade de Letras numa iniciativa da ACLUS (Associação de Cultura Lusófona), vem clarificar esse entendimento das formas e coisas através de uma expressão artística em que a memória da História, o plano da espiritualidade e o lendário mitológico confluem através de uma linguagem dialectal.
O artista, um oirat russo-mongol nascido em 1963 na República Kalmyr, na Mongólia, é pintor, aguarelista e escultor com formação académica nas Universidades de Rostov e S. Petersburgo, e propôs-se desenvolver nestes seus desenhos um conjunto de percursos trans-memoriais que evocam a mais profunda tradição do seu povo. Assim, os quadros desdobram-se entre visões de idílio, referenciais budistas, sinais de caminhos de estrelas, o túnel do épico jangar, o primeiro Buda (o Avô Branco, o Senhor do Mundo), as flechas do futuro, até ao eclipse da lua na grande estepe, à rapsódia Jangar, às visões hiperbólicas do imperador, às sinfonias de amor e de viagem, tudo concebido sob o pano de fundo de um destino nómada que é o dos povos casaque, em que não faltam as canções jangares tocadas pelo domabarí e a borth, os traços de uma etnografia revivida, a homenagem constante ao cavalo e ao mítico pássaro protector, o Garde ou Garuth, bem como a escatologia dos medos ou as lendas da recriação, que remetem para um destino de guerra e de sonho, de combate e de partilha, de viagem e de descoberta.
Rousland Botiev mostra, principalmente, uma força de ideias, de retoma de memórias, de expressão genuína, que enlevam pelo sabor das histórias evocadas através das linhas, traços, manchas e sugestões formais dos seus desenhos, capazes de contar muitas experiências e revisitar muitas tradições da Mongólia profunda. Se a qualidade do desenho tem, por certo, uma espontaneidade que não esconde limitações técnicas, é certo que existe nestas obras uma força discursiva que assenta numa dimensão de autêntico, dimensão essa que se desdobra num referencial identitário onde se cruzam, também trechos da biografia do artista, e testemunhos da sua sensibilidade, com propostas sugestivas de evocação histórica mongol.
Março de 2010
Vitor Serrão

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